Os "supermotores" brasileiros para exportação – Parte 1: GM Família 2

Quando os melhores motores eram exportados e o Brasil ficava à míngua

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Sabe o que é pior que a grama do vizinho ser mais verde que a sua? É ele ter pego aquela semente no seu jardim. Complicado, para não dizer impropérios. Mas este blog  não é sobre jardinagem, é sobre carros. Escrever que por vezes produzimos coisas maravilhosas que não ficaram no mercado interno nem mesmo por decreto-lei  é doloroso. E olha que desta vez não citarei os motores diesel comuns, que são fabricados aqui desde o começo dos anos 1980 e são exportados em sua totalidade equipando veículos de passeio…

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Antes de tudo, é bom esclarecer o primeiro fomentador desta política que vigorou durante a década de 1980: desde o final dos anos 1970, devido a uma política imbecil indevida dos generais de plantão que governavam a nação, a importação de componentes informáticos era completamente vedada para o mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, como efeito direto das duas crises de petróleo em 1973 e 1979, o mercado mundial buscava aumentar a eficiência de seus propulsores, aumentando a potência ao mesmo tempo que o consumo e a emissão de poluentes eram reduzidos. Qual era o maior destaque desta revolução? A injeção eletrônica. Fato é que sistemas puramente mecânicos foram testados pela Bendix e pela Bosch, por exemplo. Mas eram ineficazes e problemáticos.

Para se construir uma injeção eletrônica, é necessária a tomada de parâmetros diversos, assim como a interpretação dos mesmos e a devida ação da dosagem da mistura ar/combustível. Sabendo que isso é impossível de se fazer utilizando ábacos e que mágica ainda é um tecnologia dominada exclusivamente por Harry Potter e sua trupe, a resposta para o problema está em uma palavra grande e importante: microcomputadores. E foi aí que a coisa desandou para o mercado brasileiro.
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Motores avançados não entrariam tão cedo no mercado nacional. Mas os administradores e engenheiros dos fabricantes instalados no Brasil à época, em consoante com o pessoal de unidades no exterior, pensaram na seguinte questão: "E se os motores fabricados no Brasil, devidamente equipados, forem interessantes na Europa ou EUA?". E foi assim que, facilitado por uma imensa desvalorização cambial, os fabricantes exportaram propulsores interessantes até mesmo para os estrangeiros. Mas sem que uma unidade sequer tenha chegado às mãos de algum brasuca.

São dois os grandes exemplares que se enquadram nesse contexto: o Família II da GM; e o 2.3 Lima da Ford. Só que algumas versões desses motores não saíram daqui com carburadores, cabeçotes simples e baixa potência específica como rodavam no Brasil. Muito pelo contrário.

Começamos pela história do motor GM, que aqui fez história equipando Monza, Kadett, Vectra, Astra e muitos outros.
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Detroit, início de 1982.
O segundo carro mundial da General Motors, cujo codinome era Carro J (ou J-Car, no idioma de Lindsay Lohan), seria um médio de tração dianteira e motor transversal - tecnologia inovadora naquele momento da história. Para o mercado americano, cada uma das cinco marcas atuantes no mercado doméstico naquele momento ganharia uma versão. Em ordem de sofisticação, seriam lançados Chevrolet Cavalier, Pontiac Sunbird, Olsmobile Firenza, Buick Skyhawk e Cadillac Cimarron.

O motor escolhido para movê-los era o inédito motor da linha 122 de da GM americana. Essa unidade pushrod que seria lançada paralelamente aos J-Car era um 4 cilindros como o Família II da GM europeia, mas com o já antiquado comando de válvulas no bloco e válvulas no cabeçote (OHV). Com um código RPO denominado L46, deslocava 1,85 L (1.840 cm³) e, com carburador Rochester de corpo duplo, entregava 88cv. Como é de se esperar, entregou um desempenho pífio, apagando o brilho do lançamento destes carros.
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Para corrigir esta situação, o motor LQ5 com deslocamento aumentado para 2,0L (1.991 cm³) e injeção monoponto foi lançado e substituiu imediatamente o L46. Embora entregasse menor potência (86cv), sua curva de torque era mais amigável para o uso urbano, além de entregar potência máxima em um regime de rotações mais baixos.

Estas mudanças, entretanto, não seriam suficientes para alavancar o desempenho dos J-Car - principalmente aqueles vendidos sob a égide de Oldsmobile, Buick e Pontiac. A solução para tamanha anemia se encontrava na planta da GM do Brasil, em São José dos Campos.
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Também fabricando seu J-Car em carroceria Hatch desde 1982 (o Chevrolet Monza), os brasileiros iniciaram a produção do propulsor 16LF, da Família II de motores da Opel com comando de válvulas simples no cabeçote (OHC). O 1,6L (1.598 cm³) entregava 73cv @5.400rpm e torque de 120Nm @2.600rpm. Era tão fraco quanto o irmão americano e a Chevrolet não queria que isso abalasse o lançamento do Monza sedã. Então o modelo estreou com o novo motor 1.8 (1.796cm³) que entregava 96cv @5.600rpm e 148Nm @3.500rpm de torque na versão com carburação simples. Na versão esportiva S/R, com carburação de corpo duplo e outros "venenos", eram 106cv ao alcance do pé direito. Foi essa versão que ganhou a América do Norte.
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Identificado internamente como LH8, tinha como virtude a presença da injeção eletrônica, então impossível de se comercializar no Brasil. Entretanto, devido à rígida lei americana de emissão de poluentes, esse propulsor fornecia apenas 86cv mesmo com a injeção monoponto Rochester.

O LH8 equipou o Pontiac Sunbird, o Buick Skyhawk e o Oldsmobile Firenza até 1986. Com exceção ao modelo da Olds, os J-Car americano receberiam uma versão ainda mais apimentada do motor 1.8, a LA5, também fabricada na planta de São José dos Campos. Ganhava injeção multiponto e turbocompressor, oferecendo interessantes 150cv durante os anos de 1984 a 1986. Mas a história podia ainda melhorar.
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Em 1987, a Opel desenvolveu a versão de 2,0 litros do Família II. Era um motor moderno, de característica quadrada (86 x 86mm de diâmetro e deslocamento) e que rapidamente chegou ao Brasil. Usando o álcool como combustível, entregava saudáveis 110cv de potência @5.600rpm e 170Nm @3.000rpm de torque. Com gasolina e injeção monoponto, o propulsor agora denominado LT2 tomava o lugar do LH8 em todos os modelos lá fora, passando também a equipar o Pontiac LeMans e sua versão canadense, o Passaport Optima - que por sua vez era o nosso velho e conhecido Chevrolet Kadett.

Ainda assim, o LT2 entregava parcos 96cv de potência e 160Nm de torque, estando novamente amarrado pelas leis de emissões de poluentes. Permaneceu em linha de 1987 até 1988 para o Buick e para o Oldsmobile, e até 1990 para os Pontiac. Mas se o motor menor tinha sua versão sobrealimentada, não seria o irmão maior que ficaria sem o caracol mágico. Denominado LT3 e com uma bela pintura vermelha na tampa do cabeçote, coletor de admissão e na saída do compressor, entregava 165cv de potência e 237Nm de torque em uma época que o Chevrolet americano mais potente (Corvette) rendia, no máximo, 240cv.
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Com injeção multiponto, esse propulsor equipou novamente o Buick Skyhawk e o Pontiac Sunbird, chegando também ao Pontiac Grand Am SE, de maiores dimensões, sendo oferecido de 1987 até 1990. Para fechar a história dos Família II enviados para o Tio Sam, o motor 2.0 aspirado também ganhou injeção multiponto em 1992, sendo renomeado LE4 e entregando 110cv/167 Nm, equipando o Pontiac Sunbird até 1994.

Durante os anos 1980, a GM não foi a única a adotar o expediente de exportação de motores para os EUA. Muito pelo contrário: os motores exportados pela Ford tinham destinação ainda mais nobre. Quer saber qual o propulsor e qual o destino dele?  A segunda parte sai em breve!

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